De cidade em cidade…

Felipe Schmidt Fonseca
5 min readJul 28, 2019

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Provando um café de Dundee

Mudança profunda em andamento nesta semana. Em 2008, cheguei a Ubatuba prestes a completar trinta anos de idade. Saio agora, quase aos quarenta e um, com a família toda. Vamos passar um ano em Dundee, na Escócia, e depois nos mudar novamente para Berlim, na Alemanha. É um plano de médio prazo, talvez o maior que já tive: vou participar do projeto OpenDott, uma parceria entre a Universidade de Dundee e a Fundação Mozilla. Faço parte de uma classe de cinco doutorandes de diferentes partes do mundo, e passarei os três próximos anos explorando o tópico cidades inteligentes — smart cities — e como se relaciona com internet das coisas, design aberto e outros princípios caros à Mozilla (e com os quais eu notoriamente me alinho).

Cidades inteligentes estão no meu radar há muito tempo. Tanto tempo que tive até que ir atrás de resgatar textos em que registrei minhas impressões e reflexões, e que republico agora no meu site pessoal. São produto de outra época — um mundo anterior aos vazamentos de Snowden e Manning e ao golpe parlamentar de 2016 no Brasil, muito antes de AfD, Brexit, Trump e Bolsonaro. Os desejos e expectativas no horizonte eram outros. Mas muitas questões permanecem.

Meu texto também mudou nesse período. Aqueles posts não são tão ruins quanto eu imaginava antes de me dispor a relê-los, mas meu ritmo mudou completamente. Se no começo da década eu mantinha três ou quatro blogues e produzia um texto em questão de horas ou no máximo um par de madrugadas, atualmente eu estou muito mais lento. Espero que um pouco mais profundo.

Fiz uma volta grande até esse momento de retornar a pensar as cidades. Claro, continuei acrescentando itens à tag “urbe” da minha coleção infinita de links. Mas em algum momento acabei abandonando aqueles esboços iniciais que não estavam ancorados a nenhum projeto consistente ou estruturado. Mesmo que tenha proposto que os labs experimentais poderiam ser entendidos como interfaces entre redes e ruas, o itinerário que adotei com o projeto rede//labs e na sequência minha pesquisa de mestrado no Labjor não dialogou tanto assim com questões urbanas. E ainda que tenha utilizado o UbaLab como instrumento para refletir e interferir sobre questões de desenvolvimento urbano em Ubatuba (nas edições do Tropixel, no projeto Ciência Aberta Ubatuba, na tentativa de constituir o SiMCiTI), essa atuação sempre aconteceu nas margens, tentando infiltrar-se nas fissuras das narrativas do desenvolvimento socioeconômico. Qualquer pequeno sucesso que tenha obtido aí vai precisar ser retomado daqui a alguns anos com mais ferramentas e recursos (e isso ainda vai virar um plano de volta ao Brasil, em seu tempo).

As condições para o trabalho ativista, situado e reflexivo gradualmente se precarizaram (ainda mais) ao longo dos últimos anos no Brasil. Eu mesmo precisei deixar de lado boa parte das iniciativas às quais me dedicava de coração, para garantir a solvência financeira da família. Em consequência, afastei-me cada vez mais daquele tipo de atuação que pensa de forma otimista a cidade como matéria coletivamente moldável. Desde o começo deste ano, entretanto, tive a oportunidade de me reaproximar destes assuntos.

Eu tenho sérias ressalvas ao que se costuma propagar por aí como “inovação cidadã”. Entendo que é uma justaposição de palavras sem um conceito definido, e que passa ao largo de importantes questionamentos. Foi a partir desse incômodo, aliás, que escrevi há alguns anos — expressando minhas ressalvas — sobre inovação socioecológica. Ainda assim, reconheço que existe potência na tentativa de aproximar pessoas talentosas e engajadas que querem transformar seu entorno.

Desde o começo deste ano, tive a oportunidade de me reaproximar desses temas. De um lado, o próprio processo de seleção para o programa de doutorado em Dundee trouxe de volta a minha atenção a questão de como as tecnologias impactam a vida em sociedade, em particular nas cidades. Em paralelo, contribuí humildemente com a organização do seminário Ciência Cidadã e Inovação Social, no Centro de Pesquisa e Formação do SESC. Participei na mesma época da equipe de facilitadores em um curso de quatro semanas no SESC Osasco que oferecia ferramentas de gestão para fazedores culturais engajados, interessados em promover transformação positiva no seu entorno. Por fim, estou participando de uma construção muito interessante junto à Secretaria de Cultura de Santo André, no ABC paulista.

Apesar de estar se transformando radicalmente nas últimas décadas em decorrência de todo o contexto de transferência de produção industrial e crescimento da economia de serviços, Santo André ainda tem elementos fortes para pensar o engajamento das comunidades em busca de mudanças positivas. A mão de obra organizada politicamente faz parte do imaginário social da cidade, assim como o legado de modernização de políticas públicas democráticas e equipamentos culturais durante a gestão Celso Daniel, na virada do milênio. As culturas urbanas têm manifestações expressivas em Santo André, e as comunidades têm lideranças naturais que cada vez mais conseguem costurar parcerias com instituições para mudar o entorno. Venho trabalhando com a coordenação da Secretaria de Cultura, além de gente experiente e dinâmica como Cinthia Mendonça e Sofia Galvão, para potencializar as iniciativas de lá. Entendemos que, naquele contexto, não se trata de semear novos projetos, mas principalmente de encontrar e construir uma narrativa que os reconheça em toda sua força e esperança.

Esse é, em resumo, o panorama da bagagem que levo agora a Dundee para pensar, experimentar e fazer em torno do tema “smart cities” dentro de um programa que se ocupa de confiança e design aberto para a internet das coisas. Ainda nem comecei a explorar o que quero daqui pra frente. Por exemplo, entender antes de mais nada o que vem a ser o oposto de uma cidade inteligente. Ou talvez expandir a “internet das coisas” para uma internet da matéria (para também retomar a pesquisa aberta sobre transformação da matéria). Mas isso fica para o futuro.

Aliás, é possível que meus próximos textos sejam somente em inglês. Preciso afinal exercitar a mente e os dedos para essa nova fase. Mas continuo disponível para quem quiser conversar em idiomas mais quentes, na comunidade “urbe” do maci.global:

https://maci.global/c/comunidades/urbe.

P.S.: maci.global foi descontinuado, e a comunidade migrou para a rede tropixel:

http://rede.tropixel.org/c/comunidades/urbe

Vamos continuar essa conversa lá?

PS.: para quem se interessar, esses são os textos antigos que republiquei. Eles são algo repetitivos, mas como falei acima não são tão ruins quanto eu pensava.

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